domingo, 23 de agosto de 2009

As Coimbras


Um:
O homem da guitarra tem medo de uma corda.
Evita-a com insistência, faz contas
de cabeça - dórrémíssol - fala sozinho.

A guitarra do homem tem uma corda a menos.
Aflige-se sem desistência, é fá de si mesma,
toca baixinho.

O medo é a corda que nunca esteve,
a música que a corda dá.

Dois:
Todos os dias são terça-feira à noite,
em litígio com o sol,
no diligência.
Coimbra é um pedaço de luz no canto da mesa
e a mulher sentada que aguarda o fado.

É a conta certa de todos os dias,
matemática da noite de terça.
É hoje: Coimbra.
Cidade à noite, entre ruas apertadas na canção
e o recibo amarelo dos que pagam a manhã
com a música que lhes falta.

É a guitarra pousada sobre a mesa.
E a frase falsa,
poço de adjectivos que a prende aqui.


Se tivesse de escolher um único poema como sendo o "Meu Poema" escolhia este magnífico poema do meu amigo Sílvio..

sábado, 15 de agosto de 2009

Tia

"O momento mais difícil não é na hora da perda,
E sim no dia seguinte,
Onde procuramos e não encontramos
e temos a certeza que nunca mais teremos!"

Até Sempre!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Cais dos sonhos perdidos


No cais dos sonhos perdidos, onde és protegida pelos anjos
És do tamanho da tua vontade.
E depois de lá, aqui,
Tudo se apaga com a chegada da noite.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Fingir que está tudo bem

fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.

José Luís Peixoto in A criança em ruínas


...fingir que está tudo bem. que a dor não existe ou é apenas um desconforto. que as dúvidas não importam e que as respostas me chegam. que desconheço o peso das palavras e não sinto o vazio do silêncio. fingir que está tudo bem: que lá fora está alguém e que não há solidão. que me chegam os abraços e não existe medo. por dentro um fogo que não se extingue mas que não se pode deixar ver. um grito ensurdecedor que se torna mudo. e ter de sorrir todos os dias: como um calor que nos gela ou um vazio que nos abraça. ou sufoca.