fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
José Luís Peixoto in A criança em ruínas
...fingir que está tudo bem. que a dor não existe ou é apenas um desconforto. que as dúvidas não importam e que as respostas me chegam. que desconheço o peso das palavras e não sinto o vazio do silêncio. fingir que está tudo bem: que lá fora está alguém e que não há solidão. que me chegam os abraços e não existe medo. por dentro um fogo que não se extingue mas que não se pode deixar ver. um grito ensurdecedor que se torna mudo. e ter de sorrir todos os dias: como um calor que nos gela ou um vazio que nos abraça. ou sufoca.
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
José Luís Peixoto in A criança em ruínas
...fingir que está tudo bem. que a dor não existe ou é apenas um desconforto. que as dúvidas não importam e que as respostas me chegam. que desconheço o peso das palavras e não sinto o vazio do silêncio. fingir que está tudo bem: que lá fora está alguém e que não há solidão. que me chegam os abraços e não existe medo. por dentro um fogo que não se extingue mas que não se pode deixar ver. um grito ensurdecedor que se torna mudo. e ter de sorrir todos os dias: como um calor que nos gela ou um vazio que nos abraça. ou sufoca.
4 comentários:
a arte de fingir que todos nós fazemos tão bem :) *
Infelizmente a sociedade está repleta de pessoas medíocres, que fingem o que não são para atingirem os seus objectivos...
Bonito texto =))*
Bonita citação, bonito livro *
beijo
Gosto muito do JLP. Ainda bem que também o lês. ;)
Sugestão da noite: Herberto Helder. Tudo o que dele encontares.
Abraço.
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